Pessoas mal intencionadas estão espalhando a falsa notícia de que requerimento da vereadora sobre o tema “persegue as religiões”; link do requerimento oficial no texto
A sessão ordinária, realizada na dia 09/06, ainda está repercutindo. O motivo dessa vez é a propagação de notícias falsas sobre o requerimento apresentado pela vereadora Fernanda Garcia (PSOL), que solicitava informações sobre a realização de laqueaduras em Sorocaba. Além disso, o tema também ganhou destaque após a reportagem do jornal Porque, onde o interventor da Santa Casa, padre Flávio Miguel Júnior, rebateu a crítica da vereadora sobre a interrupção do serviço na Santa Casa de Misericórdia de Sorocaba.
Muitas denúncias e questionamentos chegaram no nosso mandato, principalmente após alguns vereadores fundamentalistas distorcerem o conteúdo do documento, alegando que ele persegue religiões e propagarem outras mentiras sobre o tema. No intuito de combater as fake news e trazer informações sobre o assunto, separamos um guia para você entender o caso:
O que é a laqueadura?
Trata-se de um procedimento cirúrgico realizado na mulher, com o objetivo de organizar o planejamento familiar: quando a mulher ou o casal decide que não quer ter mais filhos, a laqueadura pode ser uma opção. Trata-se de um procedimento que obstrui a ligação das trompas uterinas, para impedir que óvulos e espermatozoides se unam, evitando a fecundação e consecutivamente a gravidez. É um procedimento definitivo, por isso, há uma série de regras e burocracias a serem atendidas para conseguir o direito à cirurgia. Além da laqueadura, existem outros métodos contraceptivos para o planejamento familiar, como a vasectomia no homem, por exemplo.
Porque a vereadora está fiscalizando a realização das laqueaduras?
A polêmica começou no dia 27 de maio, durante a prestação de contas da Secretaria Municipal da Saúde (SES), na Câmara Municipal de Sorocaba. Durante questionamentos feitos pela vereadora Fernanda Garcia e sua assessora e suplente do Conselho Municipal de Saúde, Bruna Santos, a própria SES apresentou um dado grave: as cirurgias de laqueadura não estão sendo realizadas em Sorocaba. O motivo, de acordo com o município, é a decisão das entidades prestadoras de serviço que realizavam o procedimento, interromperem o serviço por questões de princípio/ideologia. Essas entidades, no caso, são a Santa Casa de Misericórdia e o Hospital Santa Lucinda, que pertencem a Igreja Católica.
Em virtude do cancelamento do serviço, 415 mulheres que já tinham a guia para a realização do procedimento aguardam na fila do SUS. Isso motivou a vereadora a fiscalizar e reivindicar junto à prefeitura, para que viabilize outra alternativa às mulheres e também foi alvo de crítica da vereadora às entidades conveniadas: não se pode colocar questões dogmáticas à frente da saúde.
Polêmica com o padre Flávio
Após a divulgação da vereadora Fernanda Garcia sobre a apresentação de um requerimento de informações a respeito da interrupção do serviço no município, o jornal Porque fez uma reportagem entrevistando o padre Flávio Miguel Júnior, repercutindo também as nossas críticas à entidade que ele representa, pela interrupção do serviço por princípio/ideologia. Ao jornal, o padre deu a seguintes declarações:
“A vereadora Fernanda está confundindo ideologia com princípio. A Santa Casa não faz laqueaduras por princípio, não tem nada a ver com ideologia. Somos uma entidade privada, que tem convênio com a Prefeitura para atender a rede pública. Convênio tem a mesma raiz da palavra conveniência e não é conveniente para a Santa Casa ignorar os seus princípios. Aqui, nós não fazemos aborto, laqueadura e vasectomia”.
“Se não houvesse opções em Sorocaba ou na região, a Santa Casa poderia até discutir a questão da laqueadura. Mas se existem opções, por que precisa ser com a Santa Casa? Nós trabalhamos dia e noite para oferecer o melhor para a população, eu não ganho nada por esse trabalho e agora sou chamado de desumano pela vereadora?”.
“Nós não perseguimos, não condenamos, não discriminamos. Agora, exigir que a gente faça a laqueadura é, no mínimo, uma intolerância religiosa”
A resposta da vereadora sobre a declaração do padre Flávio
“Eu respeito muito o padre Flávio Miguel e também o trabalho que ele desenvolve na Santa Casa de Misericórdia. Prova disso é que todos os anos eu destino emendas impositivas para contribuir no trabalho da entidade. Entretanto, tanto o padre quando eu, desenvolvemos atividades de interesse público que estão sujeitas a avaliação e crítica.
A crítica que eu fiz, e reafirmo, é sobre a interrupção das laqueaduras na Santa Casa e no hospital Santa Lucinda. Esse procedimento sempre foi realizado nas duas unidades, entretanto, na renovação dos contratos, eles se recusaram a manter o serviço por questão de princípios/ideologia – de acordo com informações da Secretaria Municipal de Saúde, em Audiência Pública no dia 27 de maio.
Isso eu acho grave. Muito grave. Os gestores dessas entidades tem todo o direito de seguirem uma doutrina nas vidas pessoais e também nas suas comunidades religiosas. Entretanto, no momento da prestação do serviço público, precisam se pautar naquilo que é dever do SUS e não nos seus próprios princípios, ideologias ou dogmas. Nesse sentido, sim: eu critiquei e mantenho a crítica. Considero inadmissível que uma entidade que atende SUS interrompa um procedimento com essa justificativa. A saúde pública não pode ter que submeter a princípio A, B ou C. Ela precisa atender a todos, indiscriminadamente, quando tem condições técnicas para isso.
Entretanto, apesar das nossas críticas às entidades sobre esse tema, nosso principal alvo é a Prefeitura Municipal de Sorocaba. Com a recusa das entidades, é dever dela buscar uma alternativa para suprir a falta das cirurgias de laqueaduras e atender a demanda de 415 mulheres cadastradas que aguardam o procedimento.
Inclusive, é exclusivamente à prefeitura que dirigimos o nosso requerimento apresentado na última sessão.”
Absurdo: Câmara Municipal reprova requerimento sobre laqueaduras
Após a denúncia da vereadora Fernanda Garcia pela falta de realização de laqueaduras, e a crítica sobre o motivo da interrupção, a vereadora apresentou um requerimento na Câmara Municipal para que a prefeitura preste mais informações sobre a ausência do serviço.
O requerimento de informações é um documento básico no trabalho legislativo, uma ferramenta para fiscalização da prefeitura. A partir de apresentado e aprovado em plenário, o ofício é encaminhado à prefeitura – que tem prazo máximo de até 30 dias para responder cada vereador.
É de praxe que todos os vereadores aprovem os requerimentos apresentados, pois eles são ferramentas para obter informações públicas. Reprovar um requerimento é incomum, pois é a mesma coisa de impedir que a prefeitura seja investigada ou tenha que prestar contas sobre os assuntos.
Entretanto, na sessão da última quinta-feira (09/06), após a apresentação do requerimento da vereadora Fernanda Garcia, os vereadores não só se opuseram ao pedido de informações à prefeitura, como fizeram declarações religiosas no plenário, no mais completo exemplo de como é grave a política se misturar com religião. Agiram como se o espaço fosse uma disputa entre quem é mais fiel à sua doutrina, nitidamente fazendo proselitismo político com o uso da fé.
Tentando aproveitar o prestígio que o padre Flávio adquiriu na cidade com seu trabalho na Santa Casa, os vereadores fizeram uma falsa avaliação do requerimento, como se ele fizesse ataques às religiões, e recusaram um pedido de informações sobre a saúde da mulher, escancarando a falta de compromisso público e humano com as 415 pessoas que aguardam na fila pela laqueadura.
Para conferir o documento na íntegra, clique aqui.
Como votou cada vereador?
Entre os 20 vereadores eleitos, quatro não compareceram ao Plenário durante o debate, portanto não votaram.
Votaram a favor do requerimento os seguintes parlamentares: Iara Bernardi (PT), Péricles Régis (Podemos), Ítalo Moreira (PSC) e Fernanda Garcia (PSOL), proponente do requerimento. Destaque para os dois primeiros, que além de votarem favoravelmente, contribuíram com a defesa.
Os vereadores da base governista na Casa foram contrários ou se abstiveram ao questionamento. Os contrários foram: Cristiano Passos (Republicanos); Dylan Dantas (PSC); Fausto Peres (Podemos); Fernando Dini (MDB); Hélio Brasileiro médico; João Donizeti (PSDB); Luis Santos (Republicanos), Rodrigo do Treviso (União Brasil) e Vinícius Aith (PRTB). A única abstenção, que também contribuiu com a não aprovação, foi do vereador Salatiel Hergesel (PDT).
Além deles, também destacamos os votos contrários ao requerimento, os vereadores Fábio Simoa e Vitão do Cachorrão, ambos vereadores do Republicanos e membros da Comissão Permanente de Saúde Pública da Câmara de Sorocaba.
Mas, afinal, a religião é contra a laqueadura?
Cada religião tem uma interpretação sobre os escritos e diferentes noções de doutrina e conduta, de acordo com a suas interpretações e crenças. Ocorre que algumas correntes religiosas mais dogmáticas estabeleceram a definição da laqueadura como um instrumento de “esterilização no controle de natalidade”. É o caso, por exemplo, da Renovação Carismática Católica, da Igreja Católica. No site da Canção Nova, que é uma comunidade associada a essa corrente religiosa, eles se posicionam da seguinte forma:
“A esterilização pode ser entendida como ato ou efeito de tornar-se infértil, infecundo e improdutivo, permanecendo incapaz de procriar de maneira usual […] O que se deve dizer da moralidade dos procedimentos de esterilização? A Igreja Católica avalia como moralmente inaceitável toda esterilização especificamente direcionada para a contracepção ou o impedimento da gravidez”
Entretanto, o posicionamento dessa corrente não expressa necessariamente o posicionamento da totalidade das comunidades dentro do catolicismo. Existem outros setores que, abertamente, tem posições diferentes . É o caso, por exemplo, de diversas Pastorais da Saúde e do movimento Católicas pelo Direito de Decidir, que fazem a discussão sobre a importância dos métodos contraceptivos e planejamento familiar abertamente.
Há ainda outras religiões adeptas ao cristianismo e de outras tradições, que debatem de maneira aberta e sem tabus o tema, compreendendo que trata-se de um assunto de saúde pública e planejamento familiar.
Fiéis adotam métodos contraceptivos
Dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) mostram que os fiéis, católicos ou de outras religiões, são majoritariamente adeptos do planejamento familiar e aos métodos contraceptivos.
O último levantamento do órgão, feito em 2020, aponta que a distribuição da população brasileira é majoritariamente católica, representando 50% da população, 31% se declaram evangélicos, 10% não possuem religião, 3% espíritas, 2% de religiões de matriz africana, 2% declaram ter outras religiões, 1% ateu e 0,3% são judaicos.
Entretanto, quando a pesquisa do órgão se refere ao planejamento familiar e aos métodos contraceptivos usado pelas mulheres de 15 a 49 anos, que ainda menstruam e estão sexualmente ativas nos últimos 12 meses, 80,5% se demonstram adeptas a algum método para evitar a gravidez. Do universo das 19,5% que declararam não utilizar nenhum método contraceptivo, 43,3% estavam planejando a gravidez, 15,7% estavam em gestação, 10,4% não têm relações sexuais com homens e apenas 2,9% não usam por questões religiosas.
Entre os métodos de planejamento familiar adotados, a laqueadura ou a vasectomia no parceiro, corresponde como a segunda maior preferência entre os métodos declarados pelas mulheres como os que consideram mais seguros, com 22,9%, atrás apenas da pílula anticoncepcional, com 40,6%.