Crise hídrica na região de Sorocaba

A represa de Itupararanga, principal reservatório da Região Metropolitana de Sorocaba, sofre com a crise hídrica, que também atinge outras regiões do Brasil. Quando o assunto é discutido, os gestores da maioria dos reservatórios do Brasil já tem uma explicação pronta para o assunto: a estiagem. E, de fato, enfrentamos um período com escassez de chuvas. Entretanto, essa está longe de ser a única explicação da crise hídrica.

Na represa de Itupararanga, temos um conjunto de fatores que nos trouxe a essa situação:

Vazão: Itupararanga funciona como um reservatório de água. Ela é resultado do represamento do rio Sorocaba, que nasce no município de Ibiúna no encontro dos rios Una, Sorocabuçu e Sorocamirim. Essa contenção do curso d’água ocorre por meio da barragem, localizada no território de Votorantim, que controla a vazão da represa – e também utiliza essa liberação para geração de energia elétrica, através de quatro turbinas localizadas na barragem.

Ocorre que essa vazão é controlada pela Votorantim Energia, subsidiária do Grupo Votorantim S/A. Para geração de energia em abundância, a empresa que controla o fluxo de água da barragem também necessita de vazão de água em abundância. Isso gera um grave conflito de interesses entre a vazão de água para vender energia x a vazão necessária para manter o reservatório em nível seguro.

Desde o ano passado é previsto que teríamos uma estiagem mais rigorosa este ano. Mesmo assim, a empresa que controla a vazão permitiu que a represa já chegasse na estiagem com nível abaixo do ideal. Considerando que a vazão é o principal fator de controle do nível da represa, a pergunta que fica é: até quando teremos como controladora do nosso reservatório, uma empresa que sobrevive da abundante liberação de água para fins comerciais?

Degradação Ambiental: outro fator importante e que precisa ser levado em consideração, é a degradação ambiental, que afeta a qualidade da água e também a quantidade de água que chega até a represa. A cidade de Ibiúna, que tem como concessionária a Sabesp, ainda não oferece pleno tratamento de esgoto para a sua população. Dessa forma, o esgoto residencial é lançado diretamente nos rios afluentes da represa, ou via modalidade de fossa poluente, contaminando o lençol freático. A falta de saneamento adequado, somada a ausência de políticas habitacionais, faz com que os rios formadores da represa tenham parte da sua mata ciliar suprimida e recebam esgoto sem tratamento, reduzindo a qualidade e quantidade de água.

Outro fator preocupante é lançamento de agrotóxicos na represa, rios e córregos, devido a grande presença de plantações agrícolas no entorno. A falta de auxílio técnico e de fiscalização faz com que o reservatório receba grandes quantidades de lançamento desse tipo de produto tóxico.

Por fim, outra preocupação visível, é a presença impressionante de plantações de eucalipto nas margens da represa. O eucalipto na forma de monocultura, afeta a restauração do solo e a recuperação da floresta nativa, prejudicando todo o ecossistema de fauna e flora do ambiente. Sua presença em larga escala também causa muito impacto pela absorção de grandes quantidades de água do solo, aumentando a incidência de erosão pela desertificação da terra, além de formar grandes concentrações de terra nas mãos de um grupo empresarial. A maior parte das áreas de plantio de eucalipto na região da Área de Proteção Ambiental (APA) de Itupararanga também são propriedade de uma empresa subsidiária do Grupo Votorantim S/A.

Como fica a captação de água nessa crise?

A cidade de Sorocaba tem mais de 80% da sua população abastecida pela represa. Outras cidades como Votorantim, Mairinque e Alumínio também dependem da captação de água da represa.

Vivemos o dilema da utilização das últimas cotas do volume útil de água, com o nível da represa atingindo 26% (em dado divulgado dia 25/08). Como a previsão é de pouca chuva, a tendência é a redução ainda maior do nível da represa.

Com a redução do nível, nos aproximaremos da reserva técnica da represa, o chamado volume morto. Nesse estágio, as cidades que fazem captação da água no início do reservatório terão que reposicionar as suas bombas de captação, para conseguir acessar a água – sob o risco de ficarem desabastecidas. Sorocaba e Votorantim, onde a captação é feita na altura da barragem (Votorantim) ou após a passagem pela barragem (Sorocaba), seguirão fazendo a captação, entretanto a água recebida do volume morto exigirá o aumento de produtos químicos para sua potabilização.

Como o volume morto concentra mais sedimentos, materiais orgânicos e, consecutivamente, maior presença de bactérias e metais pesados, o tratamento da água deverá ser mais rigoroso e testes sobre a qualidade dessa água precisarão ser feitos para mensurar os riscos que ela pode oferecer.

O que fazer?

Diante do já adiantado cenário de baixo índice da represa, não há outro caminho se não medidas rigorosas de contingenciamento, redução do consumo e racionamento. Esse tipo de ação será necessária para tentar evitar ao máximo o desabastecimento de outras cidades da região e também o esgotamento das cotas de volume útil da represa, só assim será possível evitar o consumo de água do volume morto e os possíveis riscos que isso poderá implicar.

São necessárias medidas para atravessar essa crise, entretanto, mas importante ainda é repensar a gestão hídrica do reservatório. No ano que vem a previsão é de uma das maiores estiagens dos últimos 100 anos, de acordo com a meteorologia. Essa situação não pode mais se repetir.

É fundamental que a Região Metropolitana de Sorocaba rediscuta a gestão da vazão do reservatório. Há um nítido conflito de interesses, entre liberar a água para vender energia e a manutenção dos níveis seguros do reservatório, pensando na segurança e qualidade do reservatório e no consumo humano. É inadmissível que a empresa que se beneficia diretamente do aumento da liberação da vazão, faça o controle da vazão.

Além disso, o plantio predatório de eucaliptos nas suas margens, promovido pelo grupo econômico da mesma corporação, precisa ser interrompido para que se dê lugar a um projeto de recuperação da vegetação nativa.

Também é preciso que haja cuidado sobre a situação dos rios afluentes da represa. Enquanto o município que constitui o nosso berçário hídrico seguir com sua expansão desigual, sem estrutura de saneamento básico adequado, permaneceremos nessa situação.

DEIXE SEU COMENTÁRIO